- Aiii...que friozinho maroto!
Ele sorriu:
- Só um minuto. Já volto.
Ele Volta com um casaco aconchegante. Ela abre seu sorriso. Sem preço. Tudo o que ele quer.
Ela: Ahhhh...obrigada.
Ele: Sorriso sarcástico? Não, desta vez. Nada mais do que pura satisfação.
- Bom, agora tenho que ir mesmo – ela lamenta.
- Eu sei – sorrindo.
E ela segue sorrindo a rua naquela manhã gélida. Ele demora a entrar. O corpo dela já desapareceu do seu campo visual, entretanto, ele detém o olhar na mesma direção. Reflete. Baixo. Chão. Alto. Tantas perguntas sem respostas o deixam em parafuso. Pobre Sr. 28 misterioso. Quem diria, hein? Refém do próprio mistério.
- O que significa tudo isso? – solta.
Contudo, tem algumas pistas. Ela não gosta de correr riscos – sua hesitação premente indica isso. Talvez algum medo, receio a contorne o tempo todo, ajudando-a a manter seu instinto de auto-preservação intacto. “Hesitar, evitar, não desejar...”?
- O que significa tudo isso? – Erguendo a cabeça com os olhos fechados. Inspira o ar enregelado a fim de amainar o calor do seu corpo. Assim permanece por alguns minutos. Pessoas passam do outro lado da rua, curiosas. Então, abaixa a cabeça lentamente, abre os olhos e volta para dentro. Mais café. Senta-se no sofá.
Degusta seu café com diversas conjecturas que fulguram em sua cabeça. Pode ser medo de se apaixonar. Relembra duas frases dela: “não sei se acredito”, “não confio em você”. Temor de não ser correspondida? Alguém pode tê-la magoado o suficiente para tal comportamento e, portanto, este seria legítimo. Se ela não confia, logo, acaba por colocar sob a mira da dúvida qualquer frase ou ato dele. Ele não almeja possuir a chave do universo...não é presunçoso a esse ponto. Deseja, sobretudo, encontrar um meio de revelar o quão prazeroso foi, por exemplo, sentir o toque de suas mãos ; o entrelaçar de dedos mesmo que por breves instantes, quando a indecisão não teve vez.
Um redemoinho para cada um. Ela também deve ver-se em torno de milhares de possibilidades. O “se” nunca demonstrou piedade. Parece se testar por quanto tempo consegue se retrair e, enfim, ser tomada pelo ímpeto e ter sua arte de hesitar – na qual tem amplo domínio – invertida. Ele é novo, inusitado para ela e traz consigo atitudes igualmente inesperadas. Isso a encanta na mesma proporção que a assusta.
Lembrou-se de quando se afastou e ela segurou-lhe a mão. Enquanto acariciava sua mão, seus olhos diziam “ não desista.” Ele também tem gravado na retina como ela fica sem graça diante dele em certas ocasiões. Isso tudo o leva a sorrir. Simples bem estar, valioso bem estar. Xícara vazia.
Encontro em um charmoso café. A maneira com que a Srta Incógnita diz oi já é um aviso de ela continua na defensiva, pensa ele.
Trechos lidos e relidos. Ela não se contém de ansiedade ; quer que ele conclua logo e parte para uma ofensa gratuita:
- Você é lerdo pra ler? – sorrindo, é claro.
- É que gostei de várias partes...tô relendo.
- Ah ta.
Ambiente em perfeita simetria. Ele se lembrou que ao perguntar se ela queria mesmo no formato de um roteiro, ela soltou:
- Eu não quero nada...
Deve ter se arrependido porque mandou uma mensagem em seguida, “exigindo” o texto completo. E pouco antes, ela mesma havia tocado no assunto, recordando, como quem não quer nada, seu interesse crescente pelo roteiro.
“Quantas contradições ácidas/doces são necessárias para formar a Srta Inc.?
Ele pensa em iniciar um outro estágio. Momento incerto. Como diz uma letra de uma de suas bandas favoritas – senão for a maior --, deve ter se perguntado se a distância era segura. Diz com a boca e frisa com os olhos. Ele pensa no universo. Até quando afinal esses planetas vão ficar dispersos? Ri para si mesmo. Seguem-se as doses homeopáticas. Seria tímida? Não demonstra. Porém, perante certas situações ela perde a fala e fala qualquer coisa rapidamente ou, simplesmente, fita o chão e balança a cabeça negativamente. Ele permanece ali ao seu lado e repete o gesto. Se o que deseja é insistência, talvez ela consiga, já que ele sempre se aprofunda visando chegar tão próximo até que os detalhes fiquem palpáveis, nítidos ; quer sentir o aroma de cada partícula que compõe seu cabelo.
Os dois ficam à vontade. Rara sensação na qual palavras são indispensáveis e se pode passar horas em silêncio ao lado um do outro. Ali, os dois se bastam.
Breve silêncio, exceto pela música. Ela ainda parece manter um intervalo e aguarda alguma coisa, algum sinal, quando o mar estiver menos agitado, suas ondas calmas e não houver o perigo iminente da dor. Dor. Esquiva. Todavia, ele não sabe o que se passa no íntimo dela, ou pelo o que já passou. Tolice julgar.
Repentinamente, abre-se nova fresta. A voz dela ressoa em sua mente: “não vou mais dormir “ ; “vou ficar acordada a noite toda.” Ela tende ao exagero e sabe disso. Assim, pode ser que tema exaltar um sentimento e depois ver-se dentro de um reles barco, enfrentando uma tormenta no oceano atlântico...talvez tema perder o controle – habilidade efêmera. Difícil arte de distinguir o exagero da realidade. Ela quer um sentimento intenso sem se abdicar de sua lucidez. Ele: idem.
Já é tarde. Agora, ele encontra-se a caminho e precisa de uma lanterna. Uma vela, ao menos. Mais do que isso. Ele quer enxergar mais cores além do seu atual preto e branco.
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